Sindicato da Construção, Obras Públicas e Serviços

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2012-05-10
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As previsíveis novas regras do crédito à habitação em Portugal vão aumentar o custo nos novos contratos, segundo com os especialistas em investimentos, crédito e setor imobiliário contactados pela «Vida Económica». O resultado final vai ser a manutenção do crescimento que o mercado de arrendamento tem tido face à aquisição. Já a possível aquisição de imóveis como alternativa de investimento é possível, mas não no curto prazo.
As novas regras para o crédito à habitação que deverão surgir em Portugal vão ter como consequência o aumento do custo nos novos contratos, de acordo com os especialistas em investimentos, crédito e setor imobiliário contactados pelo jornal. Recorde-se que essa nova lei, semelhante às já aprovadas em outros países europeus, poderá ter como face mais visível a possibilidade de, mediante o cumprimento de alguns requisitos, a entrega do imóvel poder liquidar o crédito à habitação.
José Sarmento, analista da corretora Fincor, referiu-nos que «a atual conjuntura de recessão, falta de liquidez no sistema bancário e quedas sustentadas de valor no setor imobiliário vêm contribuir para uma crescente dificuldade no acesso ao crédito hipotecário e para a subida exponencial do seu custo». A mesma fonte acrescentou que, «caso se venha a concretizar uma nova lei para o crédito à habitação que seja desfavorável aos bancos num cenário de penhora ou alteração das circunstâncias do mutuário, este será seguramente mais um fator a contribuir para a postura cada vez mais conservadora dos bancos face ao crédito hipotecário».
António Godinho, administrador da consultora financeira Exchange, concorda que as novas regras serão mais um fator para aumentar o custo do financiamento da aquisição de imóveis. «O nível de risco tem que ser ajustado tendo em conta não apenas essas alterações, como também à diminuição do rendimento disponível das famílias em função da conjuntura que vivemos. Por outro lado, o custo de «funding» das operações de crédito à habitação subiu drasticamente nos últimos três anos», considera Godinho.
Salvador Nobre da Veiga, account manager da XTB, avisa que, «naturalmente», os custos com novos contratos vão aumentar e afirma discordar da possibilidade de entrega do imóvel para saldar a dívida total do crédito à habitação. «Um banco não deverá assumir o risco do mercado em questão, mas sim o risco a que efetivamente se propõe, que é o risco de financiamento. Com esta medida, para além do risco de financiamento, recairá sobre os bancos também o risco de valorização e desvalorização do ativo», defende.
O responsável da corretora faz uma analogia com «uma pessoa que pedisse um empréstimo para comprar ações e visse estas desvalorizar, simplesmente entregaria as ações ao banco e veria a sua dívida saldada». Em termos de princípio, não «parece correto» a Salvador Nobre da Veiga «remover o risco de investimento dos indivíduos». «Deverá caber ao indivíduo aferir as próprias potencialidades do mercado e não ao banco. A ser aprovada esta medida, os custos tenderão a ser maiores, uma vez que há que diluir as potenciais imparidades», explica. A mesma fonte concorda, contudo, «que deveria haver um mecanismo mais simples de falência individual.»

«Solução é evitar entrega»
O presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), Luís Lima, também acredita que os custos com o crédito terão tendência para aumentarem - «pois a banca terá um risco muito maior» - e defende que «a solução passa por evitar» que as famílias tenham que entregar as casas à banca. «Devem ser criadas estruturas que permitam a renegociação da dívida, diminuindo juros ou até pedindo períodos de carência», defende. A mesma fonte advoga que, «em casos extremos, em que seja impossível evitar a entrega do imóvel, a banca deverá colocar estes imóveis no mercado de arrendamento, e não transacioná-los muito abaixo do custo de mercado, pois isso desvalorizará totalmente a propriedade imobiliária e criará uma crise no mercado habitacional».
O líder da APEMIP salienta ver «com agrado o facto de o Governo se mostrar preocupado» com o assunto, recordando que no primeiro trimestre foram entregues à banca 2300 imóveis, mais 74% que em igual período de 2011. «Hoje, quando uma família entrega um imóvel por incumprimento, os bancos reavaliam o imóvel e, como o mercado imobiliário se encontra em crise, este imóvel é reavaliado em baixa, desvalorizando o seu valor patrimonial, o que poderá ter graves consequências para o setor do imobiliário e da construção. É muito frequente que a nova avaliação fique abaixo do empréstimo e até do valor ainda em divida, o que significa que muitas famílias continuam com uma parte da dívida por saldar, mesmo depois de entregarem a casa», afirma.
Luís Lima avisa que, «se nada for feito, o número de casos de incumprimento continuará a subir e por isso é fundamental proteger o direito à habitação, apresentando soluções válidas». A nossa fonte aponta, no entanto, desvantagens a esta solução: «Por um lado, as famílias poderão ficar livres das dívidas, mas, por outro, a banca, ao aceitar os imóveis que agora valem menos, vão realizar perdas e, se as famílias adotarem esta solução de forma maciça, os bancos ficarão inundados de imóveis, colocando em causa a sua solvabilidade... Depois, como aos bancos assumiram maior risco, é provável que os spreads cobrados passem a ser mais elevados nos créditos».

Compra vs. Arrendamento
O presidente da APEMIP não crê que a existência de novas regras para o crédito à habitação possa ser um impulso ao arrendamento. «O verdadeiro impulso para o arrendamento - e consequentemente para a reabilitação urbana - apenas acontecerá quando forem tomadas medidas concretas no que diz respeito à lei do arrendamento urbano», afirma. «O que o mercado de arrendamento hoje precisa», de acordo com Luís Lima, «é de garantir segurança e confiança aos proprietários e possíveis investidores e isso apenas acontecerá quando for aprovada uma lei do arrendamento que preveja a agilização do despejo por incumprimento do contrato de arrendamento e a aplicação de uma taxa liberatória, semelhante à aplicada nos depósitos a prazo».
António Godinho vê o mercado de habitação dominado por dois pólos no futuro. «A concessão de crédito à habitação vai ser cada vez mais dominada pelas bolsas de imóveis dos bancos, pois possuem condições preferenciais de financiamento. De resto, será algo cada vez mais escasso, potenciando o desenvolvimento do mercado de arrendamento», refere.
O aumento do arrendamento face à aquisição é, aliás, um dos objetivos das autoridades, recorda José Sarmento, da Fincor. «Portugal tem uma das taxas mais altas da Europa de população com habitação própria e um dos objetivos do programa da troika é precisamente alterar essa cultura. A troika pretende estimular o mercado do arrendamento para aumentar o rendimento disponível da população e assim dinamizar a economia. A existência de novas regras no setor do crédito à habitação será mais um fator a contribuir para impulsionar o mercado de arrendamento», afirma o administrador da Exchange.

Imóveis como investimento não é para já
Se o mercado de arrendamento continuar a evoluir, os imóveis poderão voltar a ser vistos como uma alternativa de investimento, ao contrário do que tem acontecido nos últimos anos? José Sarmento não descarta esse cenário, mas avisa que o caminho a percorrer é longo. «Caso todas as alterações que estão previstas no programa da troika se concretizem, o mercado de arrendamento irá conhecer outro dinamismo, o que aumentará seguramente o mercado de «buy-to-let» em Portugal. No entanto, estes processos representam alterações culturais profundas e os imóveis têm sofrido fortes desvalorizações nos últimos quatro anos, pelo que, a concretizar-se, será seguramente um processo lento», explica o analista da Fincor.
Também Salvador Nobre da Veiga não mostra grande crença na possibilidade de os imóveis serem investimento a ter em conta. «A acontecer, poderá motivar uma maior apetência na compra de imóveis, visto que nesse sentido o risco de desvalorização seria totalmente ou substancialmente removido», refere o account manager da XTB. «No entanto, no corrente cenário não me parece que essa medida tenha influência para contrariar a situação em que o mercado se encontra, dado que muitos dos requisitos para compra de casa hoje em dia são bastante apertados, onde para a compra de casa só as famílias que apresentam menor risco conseguem financiamento e geralmente financiamentos no máximo a 60-70% do valor do imóvel, o que, por si só, face à situação líquida de muitas famílias, acaba por ser um investimento irrealizável», defende.

In «Vida Económica»

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